Espaço Hæresis de Psicanálise com crianças e adolescentes
Coordenação: Cirlana Rodrigues de Souza (membro associado)
Com realização mensal às quintas-feiras, das 18:00 às 21:00 h, nas seguintes datas 16/03, 27/04, 18/05, 22/06; 24/08, 28/09, 26/10, 23/11, com o tema de investigação, para 2017, sobre Atualidade (ou não) da clínica de Françoise Dolto em convergência com os fundamentos da psicanálise de Jacques Lacan, privilegiando o estudo teórico e a apresentação de caso, pelos participantes.
A clínica psicanalítica de Françoise Dolto (1908-1988) com crianças e adolescentes pode ser mostrada nestas suas palavras: “Sempre há pessoas, mesmo advertidas, que acham loucura falar com bebês, entretanto, a partir do momento em que começamos a fazê-lo, nos damos conta de que loucura é não tê-lo feito antes.” Lê-se não apenas o indicativo de uma técnica de trabalho desenvolvida por ela em seus casos clínicos, mas o cerne da psicanálise: falar com bebês (e escutar bebês) é o que faz a psicanálise, falar e escutar sujeitos.
A história de Dolto é uma história de romper paradigmas: como médica, psicanalista e mulher que viveu 80 anos no século XX viu revoluções de toda ordem, viu expulsões e fundações dentro do campo psicanalítico, mas manteve-se na posição de sempre estar com as crianças e com os adolescentes (e suas famílias) que lhe chegavam. Como pediatra, foi a melhor psicanalista que uma criança, um bebezinho e sua linguagem poderiam ter a seu favor. Como psicanalista, foi a melhor pediatra que uma criança, um bebezinho e seu corpo poderiam ter a seu favor. Há aqueles que sequer reconhecem nas proposições de Françoise Dolto, em suas técnicas e em suas teorias a radicalidade da psicanálise: torcem o nariz a sua pediatria educativa, a sua psicanálise “de orientações aos pais”, como já ouvi por aí. Ainda, existem aqueles que só fazem por destacar equivocadamente uma clínica que se sustenta na ‘castração’, na linguagem, na imagem inconsciente que uma criança vai formando de si, apostam que ela não entendia o que era um autismo, uma psicose e que cuidava de “deliquentes”. Equívocos de quem tem uma leitura superficial e psicologizante das noções desenvolvidas pela psicanalista e não conhece as transformações dentro da psicanálise. Ademais, é preciso não perder de vista que todo campo epistemológico é atravessado pela cultura que o institui socialmente e cabe aos campos deixar ir o que o desatualiza e atualizar o que é imposto pelos novos sujeitos, pelos novos tempos. Mas, é preciso antecipar um cuidado: esses equívocos podem, hoje, servir de pretexto para uma falsa clínica psicanalítica buscando a educação moralista e autoritária e a pediatria engolida pela neurociência como resposta a muitos de nossos fracassos simbólicos, por isso traremos algumas noções de Jacques Lacan que podem contribuir para compreender o trabalho de Françoise Dolto.
Acompanhando a pergunta feita pela imprensa francesa, diante dos 25 anos de sua morte, “Qual a herança deixada por Françoise Dolto para a psicanálise com crianças?”
Ao trazer Françoise Dolto e sua obra para inaugurar o Espaço Hæresis de Psicanálise com crianças e adolescentes já está posto que há uma herança deixada por Françoise Dolto na clínica da psicanálise com crianças e adolescentes em tempos de Real, de psicanálise sem Édipo, de sujeitos impossíveis de serem enredados nas estruturas. Sobre este último ponto, destaco que isso não é novidade para aqueles que lidam com os impasses e os paradoxos constitutivos, não classificáveis, não definidos na infância. Ainda, ao longo de sua vida, ela se manteve sempre em diálogo com Jacques Lacan. Sobre o que tanto falavam, se a história do campo lacaniano nos mostra algumas direções que se afastam das proposições de Françoise Dolto? Assim, partiremos do contexto da psicanálise no qual Dolto começou a trabalhar sua psicanálise, o que pode ser acompanhado a partir de obras como sua tese, Pediatria e Psicanálise, e no Caso Dominique e na relação com seus contemporâneos como Melaine Klein e Donald Winnicott, no que se distanciou deles, entre outras possibilidades de leitura dentro da construção dessa obra.
Iremos nos debruçar, em cada encontro, sobre destaques das obras Pediatria e Psicanálise, O caso Dominique, Tudo é linguagem, A Imagem Inconsciente do Corpo e o Seminário de Psicanálise com crianças, e dialogar com nossos casos clínicos. Ainda, os destaques de textos de Jacques Lacan serão definidos conforme as delimitações das obras citadas. Quando oportuno, lançaremos mão de materiais como filmes e documentários de Dolto e, ainda, sobre La Maison Verte (A casa Verde), espaço de cuidado fundado por Françoise Dolto. Da Casa Verde, será possível ampliarmos a discussão sobre a clínica de cuidado em serviços prestados a crianças que temos, buscando marcar a diferença entre um espaço de cuidado abusivo e violento, pois estão a serviço de vários interesses, menos da criança e do adolescente e um espaço de cuidado onde, de fato, se busca falar com e escutar as crianças e suas famílias.
Hoje temos a relação medicina, educação e psicanálise levada a cabo. Vemos surgir coisas como ‘neuropedagogia, neuropsicanálise’, a desconstrução do saber parental, o apagamento da voz de crianças e adolescentes, o pathos da psique e do corpo sendo apagado pelo excessivo uso de medicação, de medidas de opressão de comportamentos, tudo isso aniquilando as saídas subjetivas dessas crianças e adolescentes: proposições eugenistas em tempos de uma avalanche de cérebros e transtornos que a educação e a clínica com crianças e adolescentes compram e vendem.
Diante de tal cenário, fica uma outra questão: Como a clínica psicanalítica de Françoise Dolto poderia colaborar para o estabelecimento entre pediatria, psicanálise e educação de modos singulares e éticos de cuidar de crianças e adolescentes, nos impedindo de ir na direção de propostas que servem ao fim da infância?